domingo, 11 de julho de 2010

Postado em 9/4/2008 por Roberto


Istambul


Livro de memórias de Orhan Pamuk sobre sua cidade, Istambul. O autor começa descrevendo o edifício em que sua família morava, o edifício Pamuk, em que conviviam diversos membros do clã. Observações curiosas sobre a decoração das salas de estar "que pareciam museus", pois eram montadas em estilo ocidental e só serviam para decorar. Em certos momentos cria-se uma identificação com o autor, pois lembro da minha infância quando também "sonhava acordado". Aliás, acho que toda criança faz isso. Mas, Pamuk o faz como uma fuga daquele mundo que o entediava.

As lembranças do Bósforo trazem à memória momentos de convívio com a família e o fim da transição do mundo otomano para a república turca. Pamuk comenta sua admiração pelo trabalho de um artista chamado Melling, que no século XIX retratou o dia-a-dia de Istambul.

Pamuk disserta sobre a "hüzum", uma palavra turca cujo significado seria semelhante à "melancolia". O sentimento de "hüzum" impregna as pessoas por meio da convivência com a cidade. Os exemplos que o escritor cita de situações que suscitam a "hüzum" são fragmentos do dia-a-dia de Istambul, das interações entre seus habitantes e a cidade ou daqueles entre si. Destaco a seguinte frase que sintetiza bem uma idéia interessante: "...o que dá a uma cidade o seu caráter especial não é a sua topografia nem os seus edifícios, mas antes o somatório de todos os encontros casuais, de todas as memórias, de todas as letras, de todas as cores e imagens que coalham a memória superpovoada dos seus habitantes depois que eles, como eu, já vivem em suas mesmas ruas há cinqüenta anos.".

A importância que os turcos dão para o passado bizantino de Istambul parece ser proporcional ao tamanho do capítulo que Pamuk dedicou ao tema: muito pouca. Sim, pois, antes do período otomano, o que existia ali era a capital da Roma do Oriente: Constantinopla - capital do império Bizantino. A dominação otomana trouxe novos valores culturais e civilizatórios àquela região, mas a herança bizantino-grega permaneceu em várias partes da cidade. Particularmente num bairro chamado Beyoglu. Local caracterizado pelo comércio, pertencente a famílias gregas.

Curiosamente os 500 anos da invasão otomana não foram celebrados de forma "oficial", visto que a Turquia fazia (e faz) parte da OTAN e o país não queria ser mal visto pela Europa "ocidental". Afinal de contas, o fim da era otomana e a instalação da república turca significou uma guinada em direção aos valores ocidentais (vide a pretensão turca de fazer parte da Comunidade Européia). Mas, como em qualquer lugar em que existem minorias étnicas, os gregos "turcos" também foram vítimas de cidadãos travestidos de um nacionalismo exagerado que saqueou e destruiu o bairro grego. E, veladamente, com apoio oficial...

O fim do império bizantino é visto de maneiras diferentes pelo "ocidente" e pelos turcos. Para estes a data significou a conquista do império Otomano. Aqueles estudam o tema como a queda do império Bizantino. É fascinante imaginar uma civilização - que dominou grande parte do mundo - nascida muito antes da era de Cristo e sobrevivente - de forma diferente do que era originalmente, claro - até o século XV.

Algumas passagens me fazem lembrar dos tempos de criança. As brigas com meus irmãos, particularmente com meu irmão do meio; o episódio em que coloquei fogo numa pilha de caixotes existente na minha casa na V. Penha; as saídas com minha mãe para resolver alguma problema na rua. Os lugares mudam, as pessoas são outras, mas as situações e as emoções suscitadas são as mesmas.

Um dos capítulos que mais me agradaram versou sobre uma paixão de Pamuk, uma menina rica, tímida e filha de um pai conservador. Os encontros dos dois amantes eram pontuados pela paixão de Pamuk pela pintura. Causava-lhe um prazer imenso reproduzir a sua amada, prazer tão grande que o levou a pensar em se profissionalizar como pintor. E surge, mais uma vez, o antagonismo ocidente-oriente: o pouco valor que as artes têm na Turquia, a mediocridade dos artistas turcos que conseguem no máximo imitar os ocidentais, a falta de uma arte originalmente turca e com qualidade...

Incrível saber que um intelectual como Pamuk matava as aulas do colégio e da faculdade. Que ele tenha abandonado a faculdade de arquitetura pelo meio. Que fosse um andarilho sem destino pelas ruas de Istambul. Não fica claro quando ele se "achou", em que momento apareceu o escritor. Isto é deixado no ar ao fim do livro.

Um comentário: