sábado, 17 de julho de 2010

Criação Imperfeita



Marcelo Gleiser é um físico carioca formado pela PUC e que fez carreira no exterior. O primeiro livro dirigido ao grande público “A Dança do Universo” consegue unir clareza, informação de qualidade e astrofísica nas doses certas. Torço o nariz para certos autores que banalizam o conhecimento científico e outros que não “traduzem” a linguagem técnica para o nível dos simples mortais que não são da área.
“Criação Imperfeita” segue a linha que admiro, mas acho que alguns temas e ideias soam repetitivos depois do sucesso de livros anteriores. Por outro lado, inovadora é a crítica que se faz à busca das respostas para tudo, do excesso de ciência e racionalismo vistos quase como se fossem uma religião e à necessidade de uma “harmonia” em todas as coisas como pré-requisito para o progresso ou evolução.
O mundo é assimétrico e imperfeito. A perfeição existe aos nossos olhos, somos nós que determinamos de forma, muitas vezes, equivocada o que é verdadeiro. Mas, independente do ser humano, a natureza se basta na sua essência e torna supérflua a busca por respostas ou padrões a todos os nossos questionamentos.
Durante a leitura do livro recordei-me do símbolo do taoísmo, o Yin e Yang. A primeira vez que ouvi acerca do seu significado foi num curso de medicina chinesa. A complementaridade, a convivência entre opostos que formam uma coisa só é contestada pelos argumentos do livro. É uma livre interpretação minha. Questionei-me acerca disso e encontro exemplos práticos do dia a dia.
Volto para olhar as minhas fotos no Flickr e em diversas delas utilizo um recurso visual e de design universal que é justamente a assimetria de posicionamento do objeto principal em relação ao fundo. Isto quebra a expectativa natural que temos por uma simetria da imagem e dos objetos. Torna a foto interessante e não tão previsível.
O racionalismo excessivo representado pela necessidade de explicações para tudo nos faz ignorar o bom senso. Como médico vejo isso a todo momento. Um paciente que está bem, cisma com uma dorzinha nas costas; pedem-se centenas de exames e aparece um resultado, cuja medição é limítrofe em relação ao anormal. Solicitam-se outras centenas de exames, desta vez mais caros, sofisticados e invasivos. Nada é esclarecido e fica-se por isso mesmo.
A primeira parte do livro é muito boa e emprega o ponto de vista de um cientista, mais precisamente um astrofísico, para exemplicar essas discussões de uma forma elegante e mais acadêmica. A segunda parte é muito entendiante pois o autor resolve conceituar de forma acessível noções fundamentais de física. Creio que nesse momento ele se perdeu. A terceira parte adota um discurso repetitivo, já visto em algum lugar...Fico me perguntando: por que escrever livros com tantas páginas? “Criação Imperfeita” seria um livro muito bom com dezenas de páginas a menos.
Transcrevo um parágrafo que sinteza bem a ideia central do livro. Deixo como reflexão para a semana que começa: “A ordem que tanto buscamos na natureza não passa de um reflexo da ordem que tanto buscamos nas nossas vidas. O mundo só é belo porque somos nós que o olhamos”.

Roberto Mogami

domingo, 11 de julho de 2010

Postado em 9/4/2008 por Roberto


Istambul


Livro de memórias de Orhan Pamuk sobre sua cidade, Istambul. O autor começa descrevendo o edifício em que sua família morava, o edifício Pamuk, em que conviviam diversos membros do clã. Observações curiosas sobre a decoração das salas de estar "que pareciam museus", pois eram montadas em estilo ocidental e só serviam para decorar. Em certos momentos cria-se uma identificação com o autor, pois lembro da minha infância quando também "sonhava acordado". Aliás, acho que toda criança faz isso. Mas, Pamuk o faz como uma fuga daquele mundo que o entediava.

As lembranças do Bósforo trazem à memória momentos de convívio com a família e o fim da transição do mundo otomano para a república turca. Pamuk comenta sua admiração pelo trabalho de um artista chamado Melling, que no século XIX retratou o dia-a-dia de Istambul.

Pamuk disserta sobre a "hüzum", uma palavra turca cujo significado seria semelhante à "melancolia". O sentimento de "hüzum" impregna as pessoas por meio da convivência com a cidade. Os exemplos que o escritor cita de situações que suscitam a "hüzum" são fragmentos do dia-a-dia de Istambul, das interações entre seus habitantes e a cidade ou daqueles entre si. Destaco a seguinte frase que sintetiza bem uma idéia interessante: "...o que dá a uma cidade o seu caráter especial não é a sua topografia nem os seus edifícios, mas antes o somatório de todos os encontros casuais, de todas as memórias, de todas as letras, de todas as cores e imagens que coalham a memória superpovoada dos seus habitantes depois que eles, como eu, já vivem em suas mesmas ruas há cinqüenta anos.".

A importância que os turcos dão para o passado bizantino de Istambul parece ser proporcional ao tamanho do capítulo que Pamuk dedicou ao tema: muito pouca. Sim, pois, antes do período otomano, o que existia ali era a capital da Roma do Oriente: Constantinopla - capital do império Bizantino. A dominação otomana trouxe novos valores culturais e civilizatórios àquela região, mas a herança bizantino-grega permaneceu em várias partes da cidade. Particularmente num bairro chamado Beyoglu. Local caracterizado pelo comércio, pertencente a famílias gregas.

Curiosamente os 500 anos da invasão otomana não foram celebrados de forma "oficial", visto que a Turquia fazia (e faz) parte da OTAN e o país não queria ser mal visto pela Europa "ocidental". Afinal de contas, o fim da era otomana e a instalação da república turca significou uma guinada em direção aos valores ocidentais (vide a pretensão turca de fazer parte da Comunidade Européia). Mas, como em qualquer lugar em que existem minorias étnicas, os gregos "turcos" também foram vítimas de cidadãos travestidos de um nacionalismo exagerado que saqueou e destruiu o bairro grego. E, veladamente, com apoio oficial...

O fim do império bizantino é visto de maneiras diferentes pelo "ocidente" e pelos turcos. Para estes a data significou a conquista do império Otomano. Aqueles estudam o tema como a queda do império Bizantino. É fascinante imaginar uma civilização - que dominou grande parte do mundo - nascida muito antes da era de Cristo e sobrevivente - de forma diferente do que era originalmente, claro - até o século XV.

Algumas passagens me fazem lembrar dos tempos de criança. As brigas com meus irmãos, particularmente com meu irmão do meio; o episódio em que coloquei fogo numa pilha de caixotes existente na minha casa na V. Penha; as saídas com minha mãe para resolver alguma problema na rua. Os lugares mudam, as pessoas são outras, mas as situações e as emoções suscitadas são as mesmas.

Um dos capítulos que mais me agradaram versou sobre uma paixão de Pamuk, uma menina rica, tímida e filha de um pai conservador. Os encontros dos dois amantes eram pontuados pela paixão de Pamuk pela pintura. Causava-lhe um prazer imenso reproduzir a sua amada, prazer tão grande que o levou a pensar em se profissionalizar como pintor. E surge, mais uma vez, o antagonismo ocidente-oriente: o pouco valor que as artes têm na Turquia, a mediocridade dos artistas turcos que conseguem no máximo imitar os ocidentais, a falta de uma arte originalmente turca e com qualidade...

Incrível saber que um intelectual como Pamuk matava as aulas do colégio e da faculdade. Que ele tenha abandonado a faculdade de arquitetura pelo meio. Que fosse um andarilho sem destino pelas ruas de Istambul. Não fica claro quando ele se "achou", em que momento apareceu o escritor. Isto é deixado no ar ao fim do livro.

As Bodas de Filó


Gente bonita e alegre, muita música boa embalando o muito de amor que havia no ar. A vibração não era só de comemoração. Havia ali uma comunhão: de carinho, amizade , família, respeito...reencontros. Além da comemoração das Bodas de Ouro da Dn Filó, os aniversários de duas das filhas também estavam sendo comemorados. Mas as 'estrelas' eram a doce Dn Filó e o marido, não menos doce que ela.
Revi tanta gente querida que a saudade já impunha o reencontro. Nice, Kaká, Marliete, Lú, Ana, Emília... Tomei susto com o tamanho das crianças que teimam em crescer em galopes, quando vimos já estão maiores que os pais e não pude deixar de perguntar pra Dn Filó como ela 'fez' tantos filhos tão 'grandes'. Ela sorriu com seu jeito brejeiro e mais um pouquinho floriu meu coração. Finalmente conheci Gel. E pude lhe contar que em toda noite de frio, mesmo sem conhecê-la me lembro dela, já que são seus sapatinhos de crochê que me aquecem os pés.
Também conheci pessoas queridas de quem já é muito querido. Adorei trocar idéias com tanta gente bacana, espécime rara hoje em dia - este tempo doido em que nada sai da superfície.
O sarau durou a tarde toda recebendo a noite com muito chorinho e mpb da melhor qualidade. Músicos virtuosos comungando do prazer de tocar e deleitando a todos com, na minha opinião, a mais mística de todas as artes.
Foi uma comemoração completa : gente alegre, música boa, comida apetitosa.... Fiquei tocada quando no momento do 'parabéns', além de agradecer a presença de todos, Dn Filó num gesto de gratidão à vida, convidou todos a darem as mãos e puxou um Pai Nosso e uma Ave Maria. Aos 80 anos com rostinho de 60, Filó esbanja vitalidade, carinho e amor.
Mas como tudo na vida passa.... ficou a lembrança gostosa de horas compartilhadas com gente que vale a pena!