sábado, 20 de fevereiro de 2010

O Dilema do Onívoro


Ótimo livro do jornalista Michael Pollan, muito elogiado à época do lançamento e que frequentou a lista de mais vendidos nos EUA.
Pollan se propõe a desvendar as origens dos alimentos que consumimos em um supermercado. Ele foi a fundo para descobrir os interesses econômicos que guiam e ditam nossos hábitos alimentares. Dividiu sua reportagem em 3 partes: na primeira dedicou-se a pesquisar as formas de cultivo industrial e orgânico. Na segunda parte comparou os diversos modos de produção de uma fazenda, com destaque para uma em que todo o processo era realizado de forma natural, sem fertilizantes, pesticidas e produção em massa. Na terceira parte do livro, Pollan faz uma reflexão sobre o consumo de carnes, participa de uma caçada e coletas de cogumelos e, finalmente, prepara o que seria a refeição ideal, quase totalmente obtida por ele próprio.
O uso intensivo de fertilizantes industriais faz com que o excesso de nitrogênio evapore e contribua para o aquecimento global, outra parte infiltra o lençol freático e pode contaminar a água. O nitrato ingerido na água pode comprometer a capacidade de ligação do oxigênio à hemoglobina.
Nos EUA existe uma tendência a se favorecer as grandes corporações produtoras de alimentos. Estas consomem quantidades enormes de matéria prima como o milho, fornecidas por fazendas monocultoras, que por sua vez empregam métodos de trabalho que racionalizam o cultivo, mas abusam de fertilizantes e pesticidas, além de esgotarem o solo. Esse sistema desvaloriza e segrega o pequeno agricultor ou aqueles que não se encaixam no modo de produção industrial e capitalista. A produção excessiva de apenas uma cultura ou poucas culturas permite que se use essa matéria prima em praticamente tudo que exite no nosso dia-a-dia, nada é jogado fora. Pelo contrário, consumimos intensivamente todos esses subprodutos e de quebra jogamos na lata do lixo nossa saúde, vide a epidemia de obesidade e doenças relacionadas. A indústria alimentar, na ânsia de faturar mais, agrega diversos componentes artificiais que incrementam o valor da comida ou se utiliza de táticas como colocar em promoção tamanhos maiores de refrigerantes, que custam um pouquinho a mais, mas trazem calorias desnecessárias de montão. Quanto mais processado o alimento, melhor para as indústrias, pois elas podem, por exemplo, concentrar a quantidade de açúcar, o que é naturalmente atraente para o ser humano. Para o próprio grande agricultor, esse é um sistema suicida, pois os preços de venda são baixos e eles acabam se sustentando com os subsídios do governo. Isto é, o dinheiro do contribuinte é utilizado para manter um modo de produção que só favorece as grandes corporações.
O modo de criação do gado bovino também é criticado. Os animais após um período de crescimento no pasto são confinados para engorda. São alimentados com rações inadequadas para sua saúde, mas convenientes para a engorda e desova de toda a biomassa advinda das fazendas monocultoras, até que sejam abatidos. Os animais ficam sujeitos a processos excessivos de fermentação e acidose que podem levar à compressão dos pulmões e quadros de úlceras, infecções etc. Muitas vezes precisam ser submetidos à antibioticoterapia preventiva, o que favore a seleção de bactérias resistentes, trazendo risco não somente para o gado, como a nós mesmos. Fico imaginando o bem que isso deve fazer ao ser humano consumir os alimentos plantados da forma descrita anteriormente e a carne de um animal que se desenvolve desta forma...
Pollan dispara, inclusive, contra os orgânicos. Nos EUA isso se tornou um grande negócio que envolve muito dinheiro. E não são todas as etapas do processo que podem ser consideradas "orgânicas". Mesmo as indústrias alimentícias tradicionais têm o seu departamento de "orgânicos" que providenciam esses alimentos em larga escala em qualquer lugar do país.
Em resumo, o livro é um manifesto contra esse sistema produtivo de alimentos que está aí, cujo único interesse predominante é o corporativo, isto é ganhar dinheiro. Por outro lado, é difícil nos desvencilharmos deste modelo, pois morando em grandes cidades somos dependentes de alimentação rápida e farta. Minha opinião é, se não quisermos viver como habitantes isolados do interior que cultivam e caçam o próprio alimento, melhor evitarmos os excessos e as apelações do mundo moderno. Na medida do possível evitar esses alimentos ultraprocessados e adquirir hábitos alimentares mais saudáveis. E por falar em hábitos alimentares mais saudáveis, quanto equívoco no Globo Repórter de ontem...Enaltecer coisas como ração humana é renegar que a comida também é um elemento unificador, agregador, que está impregnado de tradições e ensinamentos que foram desenvolvidos ao longo de milhões de anos. Quando se imagina a França e Itália, o que nos vem a mente é a tradição de séculos das respectivas cozinhas que foi aprimorada pelas experimentações e necessidades destes povos. Sentar-se à mesa e apreciar um bom prato de comida, poder nesta hora trocar impressões sobre o dia com outras pessoas e respeitar o próprio organismo deixando-o se abastecer, sem estímulos sensoriais excessivos não se consegue com rações humanas. Daqui a pouco vamos resumir o hábito de se alimentar ao ato de ingerir pílulas.

Roberto Mogami

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