domingo, 21 de março de 2010

O Evangelho de Tomé


Eu me lembro bem do início da faculdade de medicina quando o meu sonho era ser um psiquiatra...Por incrível que pareça, gostava de medicina, mas gostava mais ainda de ler sobre Freud, Jung, Reich, Melanie Klein etc. Freud foi quem abriu as portas para um mundo novo a minha frente. Reich expandiu essa concepção de mundo e durante muito tempo foi o pensador que mais me influenciou. Mas, hoje em dia, vejo que Jung foi aquele que mais me marcou, a quem recorro de forma repetida e inconsciente. Ler Jung é estar disposto a também ler sobre uma série de outros assuntos que estão enraizados e permeam toda sua obra. E isso acabou acontecendo comigo, quando durante o curso de medicina, me interessei por aprender medicina chinesa e por extensão a filosofia taoísta, visto que medicina e filosofia na China estão ligadas de forma intrínseca. E dali para o budismo e uma série de outras filosofias de vida e conhecimento de si mesmo.
Hoje, quando leio um livro, vejo um filme, assisto uma peça, vejo ecos do conhecimento de Jung. Na verdade, já tinha deixado de lado essas leituras há um bom tempo, mas meu inconsciente coletivo e a força dos arquétipos que sempre marcaram minha vida sempre acabam encontrado uma maneira de se expressar. Quando criança, adorava freqüentar as aulas de catequese, pois o que mais me atraía eram as histórias do Velho e Novo Testamento. Não tinha maturidade para compreender o sentido daquelas metáforas, mas algo maior que isso mesmerizava o meu ser. Hoje em dia, meu interesse por história e civilizações antigas cumpre esse papel.
Mas, por que motivo eu relato tudo isso para comentar sobre esse livro. Porque ele é avassalador, ele toca muito fundo na alma das pessoas e nos faz refletir imensamente sobre a nossa vivência. E também porque ele é muito Junguiano, psicanalítico e oriental. Ele é um dos textos cristãos gnósticos mais importantes.
Também como conhecido como Evangelho Gnóstico segundo Tomé, Palavras Secretas de Jesus a Tomé ou Quinto Evangelho, ele é composto de 114 Logions, que nada mais são que parábolas. Algumas muito semelhantes ou iguais àquelas encontradas nos Evangelhos canônicos.
Por todo livro, vários temas se repetem:
- a superação da dualidade, corpo-espírito, masculino-feminino etc. Tornar-se Um com o Vivente (Cristo) e o Pai. E para tornar-se Um é necessário tornar-se um consigo mesmo, livrar-se do apego ao ego, às paixões, aos valores essencialmente materiais.
- aceitação das imperfeições, das fraquezas como partes da nossa dimensão humana. Não se preocupar em anulá-las, mas deixá-las serem superadas naturalmente pelas nossa virtudes
- não criar expectativas, viver o aqui e agora (mais psicanalítico, impossível...), reconhecer o mundo como uma passagem, sem preocupações com início e fim
- estar vigilante, isto é consciente dos perigos das paixões, das fraquezas ligadas ao ego, às vaidades e ser forte para rechaçar as mesmas
- encarar a dualidade como uma necessidade, um ponto de passagem para a experiência de ser Único
- Ser Um é transcender, superar as amarras e inclui amar, mesmo aqueles que o perseguem, tiranizam...(confesso que essa é uma dimensão muito alta a ser alcançada)
- Entender que o Reino dos Céus, isto é ser único com o Vivente e o Pai, ou ainda desapegar-se dos conceitos dualistas de objeto e espírito, livrar-se do corpo inanimado, deixar de lado as emoções destrutivas, o ter pelo prazer de possuir etc só se realiza por uma consciência inocente (vide parábola do Reino dos Céus e as crianças ou Adão e Eva)
Enfim, depois de muitos anos, encontrei um livro cristão, e não necessariamente católico, que se exprime de uma maneira muito particular, com uma visão de mundo que é aquela que me fascinava - e continua fascinando - anos atrás.

Roberto Mogami, post de 8 de novembro de 2006

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